Esta história é relativamente comum e quase todo mundo conhece um caso - isso quando não é o próprio caso: o estudante brasileiro descobre a gastronomia como profissão e através dela abre caminho para se fixar na Austrália.
Décadas depois de isso passar a ser frequente, os chefs brasileiros já são presença marcante na cena gastronômica australiana. Eles e elas são rápidos, habilidosos, raçudos e animados, e transitam com facilidade na miríade de universos gastronômicos multiculturais das metrópoles em Down Under.
Pensando nisso, o setor cultural do Consulado Geral do Brasil em Sydney resolveu usar sua para deixar australianos e brasileiros com água na boca. A série “Brazilian Chefs in Australia” traz diversos chefs do Brasil estabelecidos no país para promover a nossa gastronomia.
Quem explica a ideia é a cônsul Helena Massote.
"O projeto é simples: o consulado fez um convite a seis chefs brasileiros que trabalham em restaurantes em vários estados na Austrália e pediu que gravassem vídeos que demonstrassem a execução de um prato tipicamente brasileiro, ou de uma receita autoral, ou prato conhecido com ingredientes nativos do Brasil."
De acordo com Helena Massote, o consulado ficou responsável pela preparação dos chefs, inclusive com reuniões com cozinheiros renomados do Brasil.
"Organizamos reuniões virtuais com nomes de peso da gastronomia brasileira e que estão no Brasil, referência hoje em gastronomia brasileira. Eu cito o Paulo Machado, especialista em gastronomia pantaneira, chef Ieda de Matos, especialista em gastronomia do Recôncavo Baiano, participante do Iron Chef Brasil. Chef Rubens Catarina, do DOM, em São Paulo."
Essas conversas foram muito importantes para manter este elo dos chefs brasileiros na Austrália com as raízes, e com o que é a cozinha afetiva, a cozinha regional e a cozinha contemporânea hojeHelena Massote, cônsul em Sydney
O consulado teve a ajuda do chef Rodrigo do Valle, veterano na Austrália e que hoje lidera cozinhas no Hotel Cassino Crown Melbourne, além de produzir o , um podcast sobre a gastronomia brasileira.
Natural de São Paulo (SP), chegou aqui em 2005 depois de uma carreira na publicidade no Brasil. É ele quem mapeia os chefs que despontam por aqui.

Rodrigo do Valle, consultor do consulado no projeto "Brazilian Chefs in Australia".
Estamos nos restaurantes 'fine dining', nos cafés, nos 'takeaways', e devagarzinho nossa cultura gastronômica vai fincando as raízes dentro das metrópoles da Austrália.'Rodrigo do Valle, chef em Melbourne
Já na segunda edição, o “Brazilian Chefs in Australia" traz receitas dos chefs , , , , e .
Conversamos com três deles.
Do açougue do avô para a chefia do Grupo Boathouse
Nascido em São Paulo (SP) e crescido em Florianópolis (SC), Bruno Cestari veio para a Austrália quando tinha 28 anos de idade, junto da esposa. No Brasil, havia seguido a carreira militar na Aeronáutica, e também foi especializado em design gráfico. Passou parte da infância no açougue do avô, que desossava os bichos junto dos tios de Bruno, enquanto a mãe dele cuidava do caixa. A paixão por carne nasceu ali e veio com ele para a Austrália, onde se descobriu na cozinha profissionalmente.

Bruno Cestari, do Grupo Boathouse, de Sydney.
O prato que ele fez para o especial do Consulado mistura a relação da carne em sua vida com os aprendizados profissionais que adquiriu na Austrália.
"O prato que desenvolvi foi a picanha recheada com chips de mandioca . É um prato bem simples de se fazer em casa. É um prato que tenho tradição de fazer em nossos natais. E esse chips de mandioca tem origem no primeiro restaurante que trabalhei aqui em Sydney, só dei uma encrementada, mudei o pouco o estilo de fazer e alguns ingredientes. É uma combinação de um pouco da minha história da minha família, e da minha história profissional”.
Herança gaúcha lapidada por bolsa no TAFE
Nascida e criada em Porto Alegre (RS), Geysa Monteiro era advogada no Brasil e chegou na Austrália há quatro anos. Em dúvida sobre qual carreira seguir no novo país, Geysa afirma que se candidatou a uma bolsa de estudos no TAFE - e ganhou o valor integral. A partir daí, foi se dedicar à gastronomia. O prato que ela apresentou une a paixão do Rio Grande do Sul e de Queensland, onde mora, pelo churrasco.

Geysa Monteiro, do RACV Noosa Resort, em Noosa, Queensland.
Em Queensland, eles também são apaixados pelo churrasco também. Essa receita combina o amor do gaúcho com o do australiano pelo churrasco.Geysa Monteiro, do RACV Noosa Resort, em Noosa, Queensland.
"Eu escolhi o arroz de carreteiro porque é um prato muito tradicional do Rio Grande do Sul. O meu amor pela gastronomia veio pelo meu amor pela comida. Acho que a gastronomia tem um apego muito afetivo, então o arroz de carreteiro nada mais é que a sobra do churrasco de domingo que a gente comeu com a família, aquele momento maravilhoso, e o carreteiro vem dessa sobra."
Em Queensland, eles também são apaixados pelo churrasco também. Essa receita combina o amor do gaúcho com o do australiano pelo churrasco."Geysa Monteiro, do RACV Noosa Resort, em Noosa, Queensland.
"E trazendo esta questão afetiva, do aproveitamento daquilo que sobra. Além disso, o carreteiro é um prato muito saboroso e tem uma versão parecida em outros países. É uma coisa muito tranquila para associarem o sabor. "
Douçura brasileira com o mel da Tasmânia
Gabriela Macedo é outra paulistana que virou chef na Austrália. Apaixonada por comida, estudou nutrição no Brasil, e chegou a trabalhar na área. Decidida a estudar comida por um novo ângulo, foi parar na Austrália para cursar gastronomia. Atualmente é chef no renomado Institut Polaire, em Hobart, Tasmânia.

Gabi Macedo, chef no Institut Polaire, em Hobart.
“Eu cursei patisserie, então eu queria fazer algum doce que não fosse brigadeiro e também representasse bem a nossa cultura brasileira, e que tivessem também ingredientes que fossem conhecidos ao paladar australiano, que seriam o chocolate e o mel. Foi uma escolha bem diferente, porque a gente realmente não acha pão de mel para vender no mercado e é um gosto que vai agradar ao paladar dos australianos"
Quando pensei na receita, pensei logo no mel da Tasmânia, que é muito particular, único, reconhecido mundialmenteGabi Macedo, do Institut Polaire, em Hobart
"É australiano e um toque na minha culinária, faz parte dos elementos incluídos na minha criatividade."
A conexão Brasil-Austrália na gastronomia
Perguntamos aos chefs sobre o que une as cozinhas brasileira e australiana.
Bruno Cestari afirma que sua paixão por comida e referências são brasileiras, mas que sua cozinha é australiana. E que uma complementa a outra.
"Eu trago do Brasil o carinho pela cozinha, mas toda a parte profissional e técnica, a maneira de me comunicar e me portar na cozinha é australiana. Eu sou formado em escolas australianas, tenho toda a minha experiência em hotelaria trabalhando em cozinha com chefs australianos, então o chef Bruno é um chef australiano."
"Logo no começo eu percebi que só a paixão pela carne que eu trouxe dos meus avós açougueiros não seriam suficientes para me colocar no mercado aqui, então eu fui estudar, aprender mais, principalmente frutos do mar, que é uma coisa muito forte, ao menos na região de Sydney, onde moro. Então eu tive que aprender sobre os peixes, sobre conchas, camarão, ostra, lagosta, coisas que eu não tive acesso no Brasil."E
Hoje a culinária australiana tem uma influência muito forte da cozinha asiática, com especiarias fortes. O chili é muito presente, o que não é tanto no Brasil. O curry, o cominho são muito fortes aqui. Tive que me adaptarBruno Cestari, do Grupo Bouthouse, de Sydney.
"Tive que pesar um pouco minha mão no sal, no alho que a gente usa no Brasil, tive que aprender a maneirar na Austrália, porque não são muito fãs. Tive que degustar muito em restaurantes australianos. "
Gabriela Macedo ressalta trazer para sua bagagem cultural brasileira o apreço do cozinheiro australiano por ingredientes locais.
"Outra coisa que me inspirou bastante foi sobre a valorização dos ingredientes australianos, tanto da parte do governo quanto da população. Eles querem valorizar os ingredientes que eles produzem. Isso também me inspirou nessa parte de criação, de aprender a utilizar, aprender um pouco mais sobre ingredientes nativos e a época de cada vegetal, de cada fruta, para a gente desenvolver um prato de acordo com a estação."
Geysa Monteiro responde que a influência do exterior e a paixão por churrasco unem a gastronomia dos dois países, e que a importância a tudo que é produzido localmente é um aprendizado seu na Austrália.
"Eu realmente acredito que Brasil e Austrália tem muito em comum", diz.
Somos países influenciados por outros países, culturas, e isso definitivamente reflete na questão da gastronomia. Este mix de sabores, culturas e técnicas faz com que a Austrália seja um país único, e é possível que a gente consiga ter acesso a todos esses sabores e produtos num mesmo local.Geysa Monteiro, chef no RACV Noosa Resort, em Queensland.
" Outra paixão que a gente tem em comum é pelo churrasco. Nós do sul do Brasil e o pessoal de Queensland têm essa paixão em comum. E a importância que os australianos dão a tudo que é produzido na Austrália, os produtores locais, esse suporte a esses produtores. Isso definitivamente influenciou na forma como eu vejo a gastronomia, a minha forma de cozinhar, as técnicas que utilizo. Acredito realmente que o uso de produtos locais, frescos, além de dar suporte aos produtores locais e a comunidade, faz toda a diferença no resultado final quando fala de comida. "
Conselhos a quem quer ser chef na Austrália
Para as centenas de brasileiros e brasileiras que sonham em seguir a carreira na cozinha no país, os chefs do projeto dão algumas dicas.
Geysa Monteiro diz que é importante não desistir na primeira dificuldade.
"A principal dica para todo mundo que quer trabalhar com hospitality e gastronomia e vem do Brasil é não desistir, é ir atrás das oportunidades porque a Austrália é um país cheio de oportunidades. E nós brasileiros somos trabalhadores, esforçados, amigáveis e simpáticos. E a gastronomia pra mim é demonstrar tudo isso através da comida. A principal coisa que vejo aqui é que tudo aquilo que a gente bota um pouco mais de esforço, a gente tem resultado, e na gastronomia não é diferente. Nós temos muitos sabores diferentes e colocar isso no prato faz toda a diferença."
Bruno Cestari sugere caprichar nas aulas de inglês, estudar e procurar trabalhar para empresas grandes.
"Sugiro três coisas. Primeiro, falar inglês, isso pra qualquer carreira. Não tenta se virar só na base do português que não vai pra frente. Segundo, se especializar. Vai pra estudar, vai conseguir seus documentos, os papéis que a carreira precisa. Não importa quanta experiência você tiver, na escola você vai sempre aprender uma coisa a mais que lá na hora do emprego, da entrevista, vai fazer a diferença. Gente que está a mais tempo vai saber se é estudado, se está se preocupando com sua carreira, se está a fim mesmo. A última coisa: vá para empresas grandes."
Fuja desses restaurantes pequenos que trabalham na ilegalidade, que não seguem os protocolos. Cozinha é uma coisa sériaBruno Cestari, chef no Grupo Boathouse, de Sydney.
"A gente está alimentando pessoas, tem que ser feito com amor e dedicação, mas tem que principalmente ser feito com responsabilidade. A minha carreira mudou quando comecei a lidar com empresas grandes, com profissionais qualificados, foi quando minha carreira começou a andar pra frente bem rapidamente.
Se este é seu objetivo profissional na Austrália, siga em frente. E, como lembra o chefe Rodrigo do Valle, é na mesa que está a celebração de brasileiros e australianos, marcadas pelas origens que fizeram e até hoje fazem estes dois povos.
"As comidas brasileira e australiana se juntam no momento em que celebramos alguma coisa. Celebramos uma Copa do Mundo, um aniversário, um casamento. O australiano, por ser uma mistura desses ‘ backgrounds’, infinitos que a gente encontra por aqui, o brasileiro tem muito disso, o ‘background’ italiano, português. A gente celebra nossos antepassados em cima da mesa. O português fazendo no seu domingo suas comidas portuguesas, as nossa queridas avós italianas fazendo aquelas massas maravilhosas que não saem das nossas lembranças. E aqui os australianos possuem isso também, dos gregos, tailandeses, chineses, dos italianos."
E acho importante ver estes grupos de culturas que estão longe uma das outras no mapa, mas celebram a comida de uma forma carinhosa no fim de semana.Rodrigo do Valle, chef do Crown Melbourne.
O australiano também é apaixonado por ‘barbecue’ do mesmo jeito que nós somos, apenas fazemos de um jeito diferente e usamos outros ingredientes, mas a relação de festividade e de trazer as pessoas junto para celebrar numa mesa farta é a mesma.
Siga ano , e e ouça . Escute a ao vivo às quartas e domingos ao meio-dia ou na hora que quiser na