A corrida global para os talentos profissionais do mundo está esquentando - particularmente na área de tecnologia, em meio a uma série de ataques cibernéticos - e os especialistas em imigração dizem que a Austrália precisa repensar sua estratégia.
Embora a Austrália seja tradicionalmente considerada um destino popular para trabalhadores qualificados, hoje enfrenta uma crescente concorrência de países, incluindo Reino Unido, Canadá e Estados Unidos, que estão ajustando suas políticas para garantir mais imigrantes.
Nathan Sabherwal, responsável por contratações na área de engenharia e análise de dados da agência de recrutamento Randstad Australia, em Sydney, afirma ser difícil encontrar um bom talento na indústria de tecnologia no momento.
"De maneira geral, posições que pagavam de AUD$ 800 a AUD$ 900 [por dia] há um ano e meio, pelo mesmo perfil agora exige de AUD$ 1.100 a AUD$ 1.300 por dia", disse ele.
Sabherwal, que se formou em tecnologia na Índia, acredita que uma das razões seja pela falta de trabalhadores imigrantes qualificados na Austrália no momento, em comparação com a pandemia de COVID-19.
"As pessoas ainda estão nervosas com a Austrália, não estamos recebendo o mesmo fluxo de pessoas que estávamos recebendo", disse ele.
Desde meados de 2020, quando as fronteiras da Austrália foram reabertas, o país perdeu mais de 600.000 pessoas, 83% das quais em idade ativa, de acordo com a análise do Comitê de Desenvolvimento Econômico da Austrália (CEDA).
A Austrália conta com imigrantes para preencher muitas vagas essenciais. As principais ocupações para vistos qualificados temporários concedidos entre julho de 2022 e setembro deste ano sendo engenheiros de software, analistas de negócios de TIC, chefs, oficiais médicos e programadores de desenvolvedores.
A diretora-executiva do Conselho de Tecnologia da Austrália, Kate Pounder, afirma que encontrar trabalhadores de tecnologia parece ser um problema para empresas em todo o mundo, especialmente após a invasão da Rússia na Ucrânia e o aumento de ataques cibernéticos.
Ela disse em uma conferência de imigração da CEDA em Sydney no mês passado que um executivo global identificou apenas dois países ocidentais que haviam treinado consistentemente um conjunto de trabalhadores cibernéticos - os EUA e a Índia - mas que agora toda democracia ocidental precisa deles.
Na indústria de tecnologia na América, os imigrantes indianos dominam algumas das posições mais poderosas, incluindo o diretor executivo da Alphabet (dono do Google) Pichai Sundararajan, também conhecido como Sundar Pichai, bem como o CEO da Microsoft, Satya Nadella e e o ex-CEO do Twitter (até ter sido demitido recentemente por Elon Musk), Parag Agrawal.

Indian migrants run some of the biggest tech companies in the US, including Alphabet CEO Sundar Pichai. Source: Getty / Jerod Harris/Vox Media
"Então, acho que o fato de a Índia estar à nossa porta, de agora ser a maior fonte de estudantes internacionais para nós, vejo como uma enorme oportunidade da qual a Austrália pode se beneficiar e imitar alguns desses caminhos que vemos no resto do o mundo."
Na Austrália, mais de 11.000 dos trabalhadores qualificados temporários do país entre julho de 2022 e setembro deste ano foram da Índia - representando 20 % do programa total. O segundo maior grupo foi o Reino Unido, com quase 8.000 pessoas (14%) e as Filipinas com quase 7.000 pessoas (12%).
O Reino Unido já reconheceu o potencial de trabalhadores qualificados da Índia. Há agora um novo esquema específico de jovens profissionais Reino Unido-Índia definido para abrir no início de 2023. O programa vai oferecer anualmente 3.000 vistos para cidadãos indianos de 18 a 30 anos para trabalhar por até dois anos na ilha.
Pounder disse que os empregos na indústria de tecnologia na Austrália crescem duas vezes mais que a taxa da economia há mais de uma década e não há sinal do fim dessa trajetória.
"Também falhamos muito em treinar australianos suficientes para estas vagas ao longo do tempo", disse ela.
Pounder afirma que cerca de dois terços dos que estudam Tecnologia de Informações e Comunicação (TIC) na Austrália são estudantes internacionais, e mais da metade deles deixou o país depois de dois anos após a graduação, em parte por conta de alguns requisitos de visto, o que também dificultou a obtenção de estágios na Austrália.

Around two-thirds of students studying ICT in Australia are international students. Source: SBS
Ela afirma que a falta de imigrantes durante a pandemia mostrou haver uma escassez de habilidades genuínas na indústria de tecnologia, o que significa que a imigração qualificada é vital para preencher a lacuna enquanto os australianos treinam para esses papéis.
A CEO do Instituto Austrália Índia, Lisa Singh, declarou que a Austrália também prevê escassez de em torno de 100.000 engenheiros até 2030, apesar de metade dos engenheiros imigrantes no país estar trabalhando fora da indústria ou desempregados.
Ela diz ser necessário haver melhores plataformas para ajudar a conectar o setor a imigrantes qualificados e, também para melhor reconhecimento de suas qualificações e habilidades adquiridas no exterior.
"Sabemos que a Índia produz mais engenheiros do que qualquer outro país do mundo", disse ela.
Sabemos que a Índia produz mais engenheiros do que qualquer outro país do mundo- Lisa Singh, CEO do Instituto Australia India
A Federação Australiana de Enfermagem e Obstetrícia também está alertando sobre uma grave escassez de enfermeiros em meio a demissões em massa.
"O número de vagas anunciadas atualmente dobrou desde o ano passado", disse a secretária federal da ANMF, Annie Butler, em julho.
"Há pelo menos 8.000 em todo o país, mas sabemos que provavelmente está subestimado."
A Austrália também está enfrentando maior concorrência de países, incluindo o Canadá, para atrair imigrantes altamente qualificados.
O país, que tem uma população de 38 milhões, apresentou uma meta ambiciosa de receber 465.000 novos residentes permanentes em 2023, 485.000 em 2024 e 500.000 em 2025.
Por outro lado, o Programa de Imigração de 2022-23 na Austrália (com uma população de 26 milhões) visa fornecer 195.000 vistos qualificados e familiares.
Lisa Lalande é a CEO da Century Initiative, uma rede de negócios, acadêmicos e instituições de caridade que defende metas de imigração mais ambicioss no Canadá.
"Temos hospitais fechando suas salas de emergência porque não temos equipe", disse Lalande à conferência da CEDA.
"Estamos sentindo essa pressão significativa em vários setores do país, seja mineração, fabricação, acomodação e serviços de alimentação. Temos uma escassez iminente em áreas como trabalhadores STEM (Ciência, Tecnologia Engenharia e Matemática, na sigla em inglês).
"Se essas tendências continuarem, não teremos a força de trabalho ou a base tributária para poder pagar ou dar suporte a serviços de alta qualidade que estimamos.
Lalande acredita que a imigração pode ser a chave para a vantagem competitiva do Canadá, além de reverter a produtividade em declínio em meio ao envelhecimento da população.
Ela diz que a iniciativa do Century está defendendo um aumento na população do Canadá para 100 milhões em 2100, como uma "provocação" porque chamou a atenção das pessoas, mas também porque evocava uma visão do que o país poderia ser no futuro em termos de influência, poder e prosperidade.
O sistema de imigração norte-americano é notoriamente lento, mas hoje tenta mudar isso.
Em seu primeiro dia na Casa Branca, em janeiro de 2021, o presidente dos EUA, Joe Biden, enviou um projeto de lei ao Congresso para zerar atraso na fila de vistos por empregador, permitindo a realocação de vistos não utilizados, tentar reduzir a longa espera e eliminar o limite que impede os imigrantes de qualquer país específico tenha mais de 7% das aprovações de 'green card' a cada ano.
O projeto de lei, que ainda não foi aprovado, também tem como objetivo facilitar para os graduados de universidades dos EUA com diplomas avançados na área de STEM que permaneçam no país e se livrem de barreiras desnecessárias para o 'green card' atrelado a emprego.
Embora não tenham sido ainda aprovadas, o governo Biden tirou restrições ao número de vistos emitidos aos imigrantes.
Reino Unido faz campanha para atrair os melhores cérebros do mundo
Além de oferecer um novo esquema a jovens profissionais da Índia, em agosto, o governo do Reino Unido anunciou que certas empresas em expansão terão maior flexibilidade para atrair os principais talentos do mundo através de um novo visto.
Indivíduos altamente qualificados que obtêm um visto de expansão poderão morar no Reino Unido por dois anos sem a exigência de patrocínio (sponsor´) ou permissão além dos primeiros seis meses.

The UK wants to be known as a destination for attracting top talent. Source: Getty / Mike Kemp/In Pictures
Isso ocorre depois que uma campanha global foi lançada em 2016 para promover o Reino Unido como um destino para estudantes internacionais, com licenças de trabalho de vários anos disponíveis após a graduação.
Desafio econômico
O ministro da Imigração australiano, Andrew Giles, reconheceu que a falta de trabalhadores qualificados é um dos maiores desafios econômicos que a Austrália enfrenta.
Ele diz que o governo aumentou a disponibilidade de vistos de habilidades (e dos familiares permanentes) neste ano financeiro de 160.000 para 195.000.
"Nenhum imigrante deve ser 'permanentemente temporário' e esse programa ajuda a garantir que não apenas aumentemos a miigração temporária, forçando as pessoas a viver por anos em condições delicadas, sem certezas", disse Giles à conferência da CEDA sobre imigração mês passado.
O governo também anunciou 20.000 vagas universitárias extras na Austrália e 180.000 bolsas do TAFE sem taxas foram apresentadas.
Além de ampliar os direitos de trabalho pós-curso de estudantes internacionais, o governo, através do Acordo de Cooperação e Comércio Econômico da Austrália e Índia, também confirmou que um ano adicional estará disponível para os indianos que se formaram com diploma de bacharel em STEM e TIC com honras de primeira classe.
Immigration Minister Andrew Giles speaks at the CEDA migration conference on 16 November. Source: Supplied / Charis Chang
"A mobilidade internacional já é importante para a atividade econômica. Para a Austrália, essa importância continuará a crescer com o tempo", disse Giles.
"Precisamos de um sistema que atraia e retenha talentos - um sistema simples, eficiente e complementar às habilidades existentes na Austrália".
A Austrália ainda é um dos destinos mais atraentes
Estudos realizados antes da pandemia classificaram a Austrália como um dos principais destinos para trabalhadores qualificados.
Um estudo dos países da OCDE sobre indicadores de atratividade de talentos divulgados em maio de 2019 descobriu que os EUA eram vistos como o destino mais atraente para trabalhadores qualificados devido à "qualidade das oportunidades", acordos de salário e impostos, estrutura e qualidade de vida. A Austrália e a Nova Zelândia seguiam de perto devido às sociedades inclusivas e boas perspectivas futuras.
Mas quando as políticas para entrar no país são levadas em consideração, os EUA perderam seu primeiro lugar em favor da Austrália, que tinham taxas de recusa de visto mais baixas e cotas menos restritivas para trabalhadores altamente qualificados.
Se as políticas de imigração forem levadas em consideração, os cinco principais países da OCDE para trabalhadores altamente qualificados foram a Austrália, Suécia, Suíça, Nova Zelândia e Canadá.

Australia topped the list of the most attractive OECD countries for skilled workers in 2019. Source: SBS
O fato contrasta com o Canadá, que aumentou significativamente a entrada permanente de imigrantes durante a pandemia, o que deu certezas aos imigrantes temporários já no país e enviaou uma forte mensagem para aqueles que pensam em ir para lá.
China e Índia tentam reter talentos
Países como China e Índia também estão reconhecendo cada vez mais a "fuga de cérebros" de suas nações e tentam introduzindo políticas para atrair seus cidadãos de volta para casa depois de perder muitos de seus melhores profissionais para universidades e oportunidades de trabalho no exterior.
A China, em particular, tem tentado atrair seus cidadãos de volta para casa depois de receberem educação valiosa e experiência de trabalho no exterior.
Por exemplo, o município de Wuxi lançou uma política em 2006 para tentar recrutar empreendedores estrangeiros, oferecendo às empresas uma parceria de 50% com o governo da cidade, o que gerou um atraente capital inicial para projetos.
Outros incentivos oferecidos a empreendedores chineses incluem vantagens fiscais, como isenção de impostos por dois a três anos, espaço de trabalho gratuito oferecido em "incubadoras" e ajuda para encontrar escolas para crianças ou empregos para seus parceiros.
O governo indiano também ofereceu apoio financeiro para a volta de empreendedores.
A Austrália tem 'oportunidade de liderar'
O co-presidente eleito da empresa de imigração Fragomen, Lance Kaplan, afirma haver muitas maneiras de a Austrália se tornar mais atraente para imigrantes qualificados, incluindo tornar a avaliação das qualificações mais transparente e facilitar as transferências dentro das empresas.
Estudos descobriram que cerca de 30% dos imigrantes na Austrália são superqualificados para os empregos em que trabalham, em comparação com cerca de 7% dos nascidos na Austrália.
Kaplan diz que a Austrália deveria "romper limites" no reconhecimento de habilidades que estão nas mãos de organizações profissionais que podem querer manter o controle de quem eles acham que é qualificado o suficiente para ser um engenheiro mecânico, por exemplo.
"Um país como o Canadá vai competir pelos mesmos engenheiros e graduados em STEM com os quais a Austrália vai competir", disse ele.
Kaplan acredita que a maior oportunidade de encontrar talentos para a Austrália pode estar dentro do sistema de imigração dos EUA.
“Como o sistema de imigração dos EUA é extraordinariamente lento, é incrivelmente burocrático, embora esteja fazendo alguma força para ser digitalizado”, disse ele.
Kaplan diz que a Fragomen tinha clientes enviando mais de 1.000 pessoas para os Estados Unidos, mas o processamento de problemas com vistos H-1B eram tão ruins que "eles literalmente chamam de loteria". É uma barreira. Também houve longos tempos de espera, mesmo para aqueles que conseguiram ser aprovados.
Ele disse que a Austrália poderia fornecer um local alternativo para os candidatos H-1B esperarem enquanto ocorre o processamento de seu visto americano, e algumas dessas pessoas podem até querer ficar na Austrália em vez de ir para a América.
“Não se pode subestimar a importância e o valor de ser um local alternativo para aguardar os potenciais candidatos ao H-1B”, disse ele.
"A Austrália é um lugar extraordinário porque é um destino para o qual muitas dessas pessoas altamente qualificadas querem ir."
"Não subestime a importância do que eu chamaria de deficiências em muitos dos outros países", disse ele.
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