Quando Rachel (nome fictício) saiu de casa aos 19 anos, ela não esperava que viver numa casa partilhada pudesse ser tão mau.
Doze pessoas moravam na mesma casa, no interior oeste de Sydney. Era pequena, mal-cheirosa e cheia de lixo.
Originalmente, tinha apenas cinco quartos, mas quatro quartos extras foram adicionados posteriormente, incluindo um pequeno sótão.
“Uma pessoa nem podia estender os braços totalmente se estivesse de pé na sala”, disse Rachel ao The Feed.
O sotão tinha sido mal convertido em três quartos extras, com pedaços finos de madeira e prateleiras da IKEA usadas como paredes improvisadas.

À esquerda: as paredes do quarto de Rachel foram montadas à pressa com pedaços finos de madeira. À direita: o buraco na parede dela. Source: Supplied
Ela nem conseguia acender as luzes do teto do seu quarto, porque as mesmas eram partilhadas com o quarto em frente ao dela.
“Eu vivia praticamente na escuridão porque não tinha janelas."
“Também tinha buracos na parede, de construção inacabada.”

O quarto de Rachel era pequeno e escuro a todas as horas do dia, porque ela não podia usar as luzes do teto. Source: Supplied
Apesar das condições “não humanas”, Rachel acabou por ficar nesta casa por seis meses.
“Teve que ser, simplesmente porque é tão difícil encontrar quartos para alugar em Sydney… estávamos todos (os inquilinos desta casa) desesperados”, disse ela.

Rachel diz que os moradores da casa partilhada foram observados e filmados com uma câmera de vigilância. Source: Supplied
Está cada vez mais difícil encontrar uma casa partilhada
Casas partilhadas são uma forma económica de arrendar e muitas vezes são consideradas uma espécie de ritual de passagem para os mais jovens que saem da casa da família pela primeira vez.
Este tipo de habitação de arrendamento consiste em várias pessoas, que não se conhecem ou sequer estão minimamente relacionadas entre si, que vivem na mesma propriedade e partilham as instalações.
É um sistema de arrendamento de espaço muito vulgar entre estudantes, incluindo estudantes das comunidades portuguesa e brasileira.
Contudo, hoje em dia ainda é mais difícil conseguir um espaço nestas casas partilhadas do que um quarto isolado.
Quando Rachel se mudou de Adelaide para Sydney, em meados de 2022, foi forçada a morar no seu carro enquanto fazia uma pesquisa “incrívelmente focada” em diferentes sites antes de encontrar a sua casa partilhada.
O The Feed obteve dados de dois dos maiores sites de hospedagem partilhada da Austrália - Flatmates.com.au e Flatmate Finders - que revelam uma procura crescente por quartos em todas as capitais australianas.
Em Sydney, há uma média de 14 pessoas a procurarem quartos para cada quarto disponível. Em Perth, esta proporção é ainda pior: 16:1.

Source: SBS
Em janeiro, haviam quase 2.000 pessoas à procura de quartos no subúrbio de Surry Hills, em Sydney; enquanto mais de 1.300 estavam de olho em Bondi Beach.

Source: SBS
O aluguer em casas partilhadas está a ficar cada vez mais caro
Com as taxas de vaga de arrendamento a atingirem mínimos recordes – no mês passado, em Sydney, a taxa foi de 0,9% e em Melbourne 0,8% – está a ficar cada vez mais caro arrendar na Austrália. E as casas partilhadas não estão imunes a esta crise.
O preço médio dos quartos subiu em todas as capitais entre 2019 e 2023, segundo os dados do Flatmate Finders. Sydney está no topo da lista com quartos que rondam os AUD 325.
Se estiver à procura de uma casa partilhada em Perth, terá que desembolsar 33% a mais - com o quarto médio a custar AUD 225.
Enquanto isso, os residentes de Adelaide estão a pagar 23% a mais do que em 2019, com quartos que rondam os AUD 208.

Source: SBS
As condições chegam a ser de exploração total
Rachel disse que a sua experiência de morar numa casa deste género foi “desconfortável” – e ela não está sozinha nesta opinião.
Zahra Nasreen, académica investigadora na área da habitação da Universidade de Sydney, descobriu que 13% das casas partilhadas de Sydney estão superlotadas.
Nos piores casos, ela viu até 14 pessoas a morarem em unidades de dois quartos – até mesmo dividindo as próprias camas.
“As pessoas nem sequer conseguem funcionar adequadamente. Têm que esperar pela sua vez para realizarem as suas rotinas diárias mais básicas, como seja cozinhar, tomar banho e dormir”, disse Nasreen.
Nasreen disse ainda que morar em casas partilhadas superlotadas pode levar a problemas de saúde, como sejam padrões de perturbação do sono, queixas relacionadas com ruído e problemas de saúde mental.
“Na verdade, estas casas superlotadas podem ser definidas sob as mesmas condições de saúde normalmente associadas à condição de ´sem abrigo´, emocional e/ou fisicamente”, disse Nasreen.

Um quarto partilhado anunciado para arrendar em Sydney, destinado a quatro pessoas. Credit: Reddit/Shoddy_Cauliflower82
Quantas pessoas moram nas casas partilhadas?
Chris Martin, investigador do City Futures Research Center da UNSW, acredita que o formato de partilha de casas está a voltar após a pandemia COVID-19, quando as pessoas estavam mais relutantes em entrar numa situação de partilha de casas.
“À medida que as taxas de juros começam a contrair a economia e mais e mais pessoas ficam menos seguras nos seus empregos… elas começam a sair das suas próprias casas e a entrar no esquema de partilha novamente”, disse ele.
No relatório do census 2021, quase 850.000 australianos relataram viver em casas partilhadas.
É um aumento em relação a 2016, quando cerca de 350.000 pessoas viviam em casas partilhadas.
Mas Martin acredita que o número real pode ser muito maior, devido ao facto de algumas casas partilhadas serem contadas como residências de casais.
Quem procura uma casa partilhada?
Muitas vezes, considera-se que apenas os jovens, principalmente os estudantes internacionais, vivem em casas partilhadas.
Mas Martin disse que a idade demográfica dos habitantes de residências partilhadas está a mudar devido às pressões imensas da crise de arrendamento de habitação normal.
“Sabemos que as pessoas estão a arrendar mais e acreditamos que as pessoas também estão a partilhar mais nas suas vidas”, disse Martin.
No seu estudo, Nasreen encontrou muitas pessoas idosas que vivem em lares partilhados, incluindo mães solteiras e pessoas na faixa dos 50 e 60 anos.
Ela descobriu ainda que os moradores das casas partilhadas de Sydney são, na sua maioria estudantes internacionais e outros migrantes, como os que são portadores de visto temporário, refugiados e turistas com o visto de work and holidays.
Quais são os direitos dos moradores numa casa partilhada?
Conhecer os seus direitos como morador de uma casa partilhada pode ser complicado. Não existe um conjunto único de leis de arrendamento que abranja as casas partilhadas especificamente.
Os seus direitos e obrigações dependem do seu estado como inquilino, e do tipo de contrato que tem com o seu senhorio.
Rachel nunca assinou um contrato por escrito com a sua senhoria. Por causa disso, ela acabou por não ser considerada inquilina em NSW.
“Existe uma regra especial que diz que, se uma pessoa ocupa uma casa partilhada, o seu contrato com o inquilino principal deve ser feito por escrito para que você esteja protegido pela Lei de Arrendamento Residencial”, explicou Martin.
Esta situação é diferente da das famílias que alugam em situação não partilhada, nas quais as pessoas estão protegidas enquanto inquilinos, mesmo que nunca tenham assinado um contrato de arrendamento.
Rachel teria sido considerada inquilina numa pensão de acolhimento normal. Os inquilinos nestas condições têm direitos legais muito limitados.

A casa partilhada de Rachel estava suja e cheia de lixo. Source: Supplied
Os inquilinos têm ainda direito a um aviso prévio de quatro semanas antes do aumento do arrendamento.
“O residente não deve ser despejado sem aviso prévio por escrito. Quanto ao que é ‘razoável’, não está definido – depende do motivo pelo qual o proprietário deseja mandar o inquilino embora”, disse Martin.
Martin disse também que os reguladores/legisladores não têm muito conhecimento sobre o setor de arrendamento privado.
Martin defende a criação de uma Lei de Acomodação Partilhada, que inclua um “conjunto sensato de regras para partilha de alojamento”.
Isto criaria leis específicas para casas partilhadas, esclarecendo práticas e padrões mínimos de usufruto, divisão de contas e disputas entre moradores.
“Se você é a pessoa que aluga o quarto vago e outra pessoa está a dar as ordens sobre quem mais pode entrar para partilhar a casa, há riscos nisso. E só isso já justifica um nível mais alto de regulamentação.”
Rachel acabou por desistir das casas partilhadas e está a morar com o seu parceiro.
“Quando o meu namorado me perguntou: 'o que achas de morarmos juntos?' Eu respondi de imediato: 'F-ck sim, tira-me daqui!'”
Reportagem adicional de Kenneth Macleod.
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